A tabela de preços da balsa que nos levou para o outro lado do Parnaíba
O caminho entre Tutóia e Barreirinhas. Isto era a parte fácil...
Os camiões que nos levaram até Barreirinhas. Um luxo!
Chegámos a Fortaleza ao meio-dia depois de 3h30 de voo. Tínhamos um longo dia de viagem pela frente por isso toca de ir ao shopping fazer umas compras rápidas de última hora e rumo a Barreirinhas, a vila de entrada no Parque dos Lençóis Maranhenses. A meio do caminho era já evidente que as minhas previsões de tempo tinham sido muito optimistas e começámos a pensar em alternativas. Ainda para mais soubemos que Barreirinhas não era acessível por carro normal, nem com a nossa brava pickup 4x4. Desvio de percurso, rumámos a Tutóia para entrar pela porta de trás. As horas iam passando e nós continuávamos com um monte de km por fazer. A certo ponto já achávamos que chegar antes das 2h era óptimo.
Às 20h aconteceu a experiência da noite. A Japinha nunca tinha conduzido um carro manual e resolvemos aproveitar a paragem em Sobral, uma vila pequena com ruas suficientemente largas, para as primeiras lições. O carro vai abaixo nas primeiras tentativas mas depois lá arranca. Parar é que era um problema: travão e embraiagem. Nova tentativa e vamos melhorando. Alguns soluços, alguns sobressaltos e estamos já a rodar na estrada onde tudo é mais simples. Quem aprende a mexer na caixa de velocidades da Ranger está preparado para qualquer carro manual. As mulheres ao volante parecem intimidar as estradas brasileiras que, de repente, passaram a ser bem feitas: sem buracos, com reflectores, era a primeira vez que víamos uma estrada a sério.
Parámos em Piripiri para abastecer era já meia noite. Na bomba, a única aberta 24h em vários km, havia 3 pessoas: um que trabalhava (abastecia e cobrava), outro que aparentemente tratava da loja e um terceiro lingrinhas que mal conseguia falar e se intitulava de ‘segurança’. Quantos brasileiras são precisos para meter gasolina num carro? A resposta é 4: o condutor que fica a olhar, o segurança para meter conversa, o indefinido que fica a rondar o carro e o gajo que realmente trabalha.
Aí informaram-nos que tínhamos 140km mais até Tutóia por estrada normal. ‘Mas a estrada é melhor ou pior do que a que tivemos até aqui?’ pergunto. ‘A estrada é boa, não tem buracos nem nada’. Esclarecido, íamos conseguir o objectivo das 2h. Continuámos e eis que, em São Bernardo, a estrada acaba. Damos voltas mas só vemos água à nossa volta. Voltamos atrás, perguntamos à única alma viva que encontrámos qual o caminho.
‘Isso só de barco. A estrada acaba e tem uma balsa que passa para a outra margem’. É meia noite e nós vemos a vida a andar para trás, ou talvez não. ‘A balsa trabalha 24h. Vai lá ao rio, buzina e faz sinais de luzes e a balsa vem buscar-te’. Ok, chegados ao rio temos a tabela de preços: R$5 por carro, 2 euros. Para uma travessia a meio da madrugada pareceu-me um grande preço. Toca a buzinar e vejo um tipo ao meu lado quase a cair da rede onde dormia. Ele entreabre o olho, ruge qualquer coisa ao outro que está na outra rede e o outro levanta-se para tocar um sino. Passado um pouco aparece uma balsa para levar a nossa 4x4 para o outro lado.
Continuamos mas as coisas nunca são tão boas como se pensa e depois de mais alguns percalços chegamos a Tutóia às 5h30, com o sol a nascer. Tutóia foi o primeiro contacto com o Brasil profundo, um vilarejo remoto com meia dúzia de lojas e uns camiões adaptados que nos poderiam levar a Barreirinhas. Talvez porque ainda estávamos meio bêbedos do sono metemos o carro a caminho de Paulino Neves, a porta de trás dos Lençóis só acessível por 4x4. Passados 15 min percebemos que esta coisa do 4x4 significa areia mole, estrada inundada e zero de civilização. O carro até se estava a portar bem mas éramos sem dúvida mais lentos que os profissionais e resolvemos deixar a travessia em mãos desses.
Paulino Neves é ainda mais remota que Tutóia. Ruas de areia, povoada de bugguies e 4x4, os únicos que conseguem chegar ao lugar, casas coloridas e um rio maravilhoso. Ficámos com pena de não ter tempo para conhecer melhor esta aldeola com muita personalidade. Mas tínhamos já o camião para Barreirinhas à nossa espera e lá fomos. Este caminho era ainda pior: dunas, lagos, trilhos estreitos e muito, mas mesmo muitos saltos. Mas isto não era um problema para todos. Enquanto eu usava toda a força dos meus dois braços mais as pernas, as costas e o que houvesse para não cair borda fora, uma miúda de uns 6-7 anos que vinha ao nosso lado não precisava sequer dos braços para se equilibrar. Sentada com uma postura perfeita, costas direitas, mãos debaixo do assento, parecia flutuar naquele camião e nenhum buraco podia perturbá-la. Pode ser que com a prática eu chegue lá.
Chegámos a Barreirinhas com o rabo quadrado e 0h de sono mas satisfeitos por ainda assim ter o horário sob controlo. A pousada era bonita, na margem do Rio Preguiças, um rio tropical que atravessa o parque. A nossa refeição do dia, a primeira desde o Rio, foram uns camarões grelhados com arroz e bobó.
Barreirinhas é outra cidade remota, com ruas de areia e casas coloridas. A ‘marginal’ é lindíssima e foi aí que bebemos uns sumos naturais que nos deixaram a salivar. Tratámos do programa para o dia seguinte e fomos dormir porque já não conseguíamos manter os olhos abertos.